DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO

Cortesia MARCO VIOLA
Licenciando Filosofia - UMESP





Capaz de corrigir a professora Marilena Chaui e de afirmar que o uso do conceito de indústria cultural --associado a Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973)-- é "uma vulgata de cunho marxista que tudo que toca transforma em lixo não biodegradável", Ghiraldelli, autor de mais de 50 títulos, é um nome polêmico no meio acadêmico.

Livraria - O senhor é autor de "O que É Pragmatismo", da coleção "Primeiros Passos". A nova coleção, "Filosofia em Pílulas", tem a mesma intenção e abordagem didática?
Divulgação
Volume esmiúça o conteúdo do clássico "Dialektik der Aufklärung"
Ghiraldelli - Eu sou dos primeiros autores da "Primeiros Passos". Comecei com "O que É Pedagogia". Escrevi três versões desse texto. Três momentos da minha vida. A última versão é de 2007. Fiz também "O que É Filosofia Contemporânea". Sou do tempo que a editora Brasiliense estava nas mãos do Caio Graco. Todos que lidam com a cultura sabem que a morte dele foi uma perda enorme para nós. Ele trouxe essa ideia de fazer pequenos verbetes críticos transformados em livros de bolso. E isso foi a "O que É Pedagogia" e, de certo modo, ainda é esse o espírito da coleção.
Agora, "Filosofia em Pílulas", da editora Manole, é uma ideia que Daniela Manole e eu bolamos, e que a editora apoiou, e tem um espírito completamente original. São livros que abordam livros clássicos de filosofia, com uma interpretação que visa expor a obra e, ao mesmo tempo, fornecer uma heurística da obra clássica para o leitor. Vai dar o que falar. Acredite.
Livraria - Além de Adorno e Horkheimer, autores de "Dialektik der Aufklärung" ("Dialética do Esclarecimento"), algum outro membro da Escola de Frankfurt é analisado?
Ghiraldelli - No meu livro "O que é Dialética do Iluminismo" eu falo de Schopenhauer, Hegel, Marx, Nietzsche, Kant, Freud e Sade. Eu tomo esses autores como os construtores do percurso que Adorno e Horkheimer utilizaram para escrever o que escreveram. Outros frankfurtianos aparecem aqui e ali por conta do modo como Adorno e Horkheimer desenvolveram certas ideias específicas, no círculo de discussões do Instituto de Pesquisa Social, e que tiveram peso na construção do "Dialektik der Aufklärung".
Livraria - É adequado apresentar a Escola de Frankfurt aos alunos de ensino médio?
Ghiraldelli - Veja, a coleção Pílulas, o primeiro, fala do livro "Dialektik der Aufklärung", de Adorno e Horkheimer. Não é um livro para o ensino médio. É um livro para pessoas com certo trânsito na filosofia. Agora, que o ensino médio tem de se defrontar com os filósofos da Escola de Frankfurt, isso não há dúvida. Por uma razão simples, uma boa parte dos jovens entre 13 a 18 anos vivem dia a dia os problemas postos pelos frankfurtianos.
A revista "Veja" e o professor Giannotti vivem dizendo que a filosofia não pode ser posta no ensino médio. Mas isso não se sustenta por nenhuma perspectiva e, enfim, eles são desmentidos cotidianamente por todos que começam a ver que cada jovem está imerso em problemas filosóficos que não são só tratados por filósofos da história canônica da filosofia, mas também por contemporâneos. Tome a questão das comunicações. Há uma febre entre os jovens, hoje, quanto às comunicações. Os jovens querem fazer cursos universitários que os preparem para trabalhar em meios de comunicação. Cursos como imagem e som são mais requisitados que medicina. Ora, mas o problema da comunicação, o seu envolvimento com questões ideológicas, é algo tratado pelos frankfurtianos.
Os jovens só tem a ganhar ao saber disso. Não há razão dos jovens ouvirem palestras de William Bonner em suas faculdades, sobre como a Rede Globo é maravilhosa, e não poderem ler Adorno e Horkheimer colocando pedras no sapato da relação entre cultura popular e cultura de massas que a Globo pode estar fazendo; e pode ser que o próprio William Bonner não tenha tanta clareza quanto imagina que tenha a respeito do lugar que trabalha, de como esse lugar é atropelado pela fusão cultural que faz. Entende isso?
Livraria - Qual seria a melhor maneira de introduzir a teoria crítica em sala de aula?
Ghiraldelli - Eu não gosto muito da expressão "teoria crítica". Prefiro "a filosofia dos frankfurtianos". Há inúmeras formas para falar dos frankfurtianos em sala de aula. Uma delas: família e amor. Os trabalhos de Horkheimer sobre "casamento por amor" e "casamentos arranjados", e da relação disso com as possibilidades de se lutar por utopias, é um tema fantástico que mexe com o que cada estudante entre 13 e 18 anos vive, pois é nessa idade que cada garoto ou garota está envolvido em paixões que desafiam suas casas, religiões dos pais, posses etc.
Quando ponho esse tema para os garotos, nessas idades, eles pararam tudo, se interessam verdadeiramente, sabem bem do que Horkheimer está falando. Poderia dar um monte de exemplos assim. Não consigo, por mais técnica que seja uma filosofia, não vela envolvida com o que são os nossos problemas de bípedes-sem-penas. Fico pasmo quando ouço alguém falar que filosofia não é para jovem! Começo a achar que uma pessoa assim perdeu a dimensão da própria vida, do que foi, e perdeu até mesmo a dimensão do que é a filosofia.
Livraria - Podemos examinar a internet segundo o conceito de indústria cultural?
Ghiraldelli - O conceito de indústria cultural é o inferno de Adorno e Horkheimer. Não é a melhor contribuição deles para a filosofia e é justamente a parte em que eles são sociologizados ao máximo por uma geração inteira de leitores que desconhece filosofia, que desconhece Hegel e, portanto, acabam se apegando aos temas que podem ser mais populares. Essa é a parte que eu não gosto neles, pois se presta a uma vulgata de cunho marxista que tudo que toca transforma em lixo não biodegradável.
Quando alguém começa a usar Adorno e Horkheimer para falar de "neoliberalismo" e "globalização", essas duas palavras que alguns militantes tacanhos de esquerda usam, sem saber o que é, e a utilizam para tentar ofender também o que não sabem o que é, eu caio fora. Não dou bola para isso. É destruir a riqueza da obra dos frankfurtianos, que é uma obra que entra por questões metafísicas profundas e belas, e que não pode ser tomada justamente pela sua periferia, pelo que nela é datado, que é sua ligação com o marxismo vulgar.
Livraria - Quais as características que mais lhe atraem no pensamento de Adorno e Horkheimer?
Ghiraldelli - A parte boa de Adorno e Horkheimer é quando eles ligam à metafísica, o seu caráter total, com a política de caráter total, o totalitarismo em forma de sociedade administrada. Podemos discordar da ligação entre metafísica e política do modo que os frankfurtianos fazem, e eu, como alguém com apreço a Rorty, devo mesmo desconfiar dessa ligação.
Falei isso para a Olgária Matos em um programa de TV web que fizemos juntos (Hora da Coruja, que está no meu blog). Mas, discordando ou não, a imaginação filosófica de Adorno e Horkheimer, nessa hipótese, é algo admirável. Bem, há uma série de outros ideias fantásticas em Adorno e Horkheimer, a maior parte delas aparecem no livro que analisei por meio do meu livrinho, este aí da Manole, "O que é Dialética do Iluminismo?" fiz outras análises dos frankfurtianos em outros livros, "O Corpo de Ulisses" (Escuta, 1995) e "O Corpo: Filosofia e Educação" (Ática, 2007). Gosto do que fiz nesses livros. Mas, sem dúvida, estava há tempos esperando uma chance de colocar na praça, no contexto do meu filosofar (o que sempre resumo como desbanalização do banal), um escrito que pegasse exclusivamente o livro "Dialektik der Aufklärung". É o que fiz agora. Creio que só consegui ler os frankfurtianos com um bom espírito após ter remoído filosofia analítica e, principalmente, Rorty e Davidson.
Sinto que minha volta aos frankfurtianos, escrevendo agora sobre essa filosofia que, afinal, me conquistou quando eu estava no colégio, se fez na hora certa. Eu queria dizer o que disse, tinha condições de fazer isso antes, mas não faria como fiz se não tivesse deixado calar em mim os anos de leitura de Rorty, Davidson e outros contemporâneos, e principalmente uma volta que dei para ler o Sócrates platônico. Tenho me dado o direito de reler coisas e tenho me dado um direito que sempre tive, que é o de mudar de opinião, mas que agora exerço com mais ferocidade que antes. Um filósofo coerente consigo mesmo no sentido de nunca mudar não é um filósofo, é uma besta.

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