O ETERNO RETORNO






Ari Monteiro
Licenciando Filosofia
Uma das doutrinas encontrada na filosofia de Nietzsche é o eterno retorno, “o mais pesados dos pesos” E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?" (NIETZSCHE -A Gaia Ciência, aforismo 341)  
Scarlett Marton coloca como “eterno retorno do mesmo” e faz referência de uma doutrina cosmológica ou até um imperativo ético “  . Para Deleuze o  Eterno Retorno é  repetição “O eterno Retorno é a Repetição, mas a Repetição que seleciona, a Repetição que salva. Prodigioso segredo de uma repetição liberadora e seletiva." . E assim como esses comentadores impares, encontraremos outros e outras interpretações, mas perguntas afloram, dúvidas se cristalizam e a reflexão sobre o Eterno Retorno em Nietzsche carece de mergulho em águas profundas onde o “mais pesados dos pesos” pode nos levar, ou trazer, à experiências de vida inimagináveis.
            Na vida nos são impostos valores, critérios, idéias, que são sempre transcendentes à própria vida, sendo que o mais interessado, isso é, “eu” nunca e de nenhuma maneira, fosse  consultado se aquele valor, aquele critério me interessa ou não. Me jogam na cara, desde criança, “faça assim, não faça assado”, e isso é imposto como se existisse uma “receita de bolo” pronta para que todos possam agir, fazer, pensar  de acordo com essa receita, essa moral, podemos com certeza chamar assim, é tirada, como já disse, de critérios que estão longe da vida vivida, da vida que é, da vida real de cada um, logo são critérios fora da minha realidade, são critérios que tem por objetivo prender dentro de regras que transcendem minha realidade, isso é ,estão “fora” da minha vida vivida. Para religiosos o “Deus” tem uma vida pra mim, para os adoradores da virtude a formula está no desprezo dos sentidos, na negação das minhas paixões, assim podemos citar “n” exemplos de moral impostas. Podemos afirmar categoricamente que somos o que nos empurraram goela abaixo, e nem por um centésimo de instante fomos consultados.
            Nietzsche é um valorizador da vida, um positivador das forças vivas, um questionador da moral decadente criada pelos fracos, na obra Genealogia da Moral, Nietzsche nos guiará pelos caminhos da moral (veremos a Moral em tópico próprio), um destruidor da metafísica e tudo que ela nos apresenta de transcendente, pois essa metafísica apenas nega a vida, criando mundos fictícios, supra-sensíveis, criando deuses miraculosos, sacerdotes ascéticos negadores dos sentidos e guardiões da falsa virtude de vida pura. A vida é o que é, e esse amor a SUA VIDA (Amor fati), não interessa para Nietzsche se a vida do meu vizinho é legalzinha, mas interessa se EU gosto da minha vida “Eis o meu gosto, não é um gosto bom nem mau,mas é o meu gosto, e não preciso oculta-los nem mesmo me envergonhar”,(NIETZSCHE, AFZ), Zaratustra, em “O Espírito do pesadume” descarrega parte do seu arsenal e defende-se dos anões e dos negadores dos sentidos. Mas é nesse amor à vida, às potencias vitais que podemos encontrar o Eterno Retorno, pois quando se vê a vida vivida sem mascaras, sem deuses, sem sacerdotes, a vida como ela É, nos encontramos com o “tempo” da vida, é essa vida que nos dá instantes de vida que “desejamos” eternizar, não tenho como fazê-lo, mas MEU DESEJO é que esse instante, esse momento, esse fato se eternize, mas não tenho controle sobre ele, o tempo passa, o instante passa, mas MEU desejo não é esse, então para Nietzsche, é nesse instante de vida que reside o eterno retorno, pois não sei o meu destino, meu futuro, então devo desejar que esse instante seja a eternidade, só desejo  aquilo que não tenho, então nesse instante tenho que agir, sentir, a eternidade. Mas podemos levantar porque Nietzsche coloca o Eterno retorno como o mais pesados dos pesos? Ora a minha vida, a nossa vida vivida não é, e não será um “mar de rosas”, um vida só de coisas maravilhosas, sem acontecimentos tristes, logo o eterno retorno também constará de malfazejos,pois a vida contém malfazejos, então preciso estar pronto para as mazelas da vida. E será que estamos prontos? O eterno retorno se dará quer eu queira ou não, mas estou preparado para encara-lo  de frente? Para Nietzsche pouco importa que esteja ou não preparado, importa que essa é a sua vida, e esses foram, são e serão os seus instantes de vida.Não existem influencias transcendentes, cosmológicas ou imposições morais, nem deve ser entendido como uma máxima moral do tipo “tem que fazer assim” ou “faça assim que será feliz” como receitas, pois a vida é o que é, a vida é DEVIR, não tenho escolha, o que tenho são desejos, paixões, pulsões, sentidos, isso é o que tenho, e não será um deus, um sacerdote que deve me guiar, mas eu mesmo, com tudo o que sou.
Podemos tecer relações do eterno retorno, na obra de Nietzsche, com o niilismo, com o Amor Fati, teoria das forças (como faz Marton), com a vontade de potencia, com a Além-homem, ou com o que mais nossa fraca erudição permitir,  mas de maneira alguma e em nenhuma circunstancia colocar o eterno retorno como regra, ou condição IDEAL de vida, pois isso seria a própria negação da filosofia de Nietzsche, é jogar toda sua filosofia no esgoto mais fétido, no abismo mais profundo, mas se isso acontecer, essa negação será aqui mesmo, nesse mundo, nessa vida, pois não existe outro mundo ou outra vida.   

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