NIILISMO








 HERMENÊUTICA E  NIILISMO:
CAMINHOS DA PÓS-MODERNIDADE?
Ari E.P. Monteiro*[1]




Resumo:  Essa reflexão traz pelos menos três conceitos, que por motivos de extensão, serão tratados por uma superficialidade perigosa, dada a importância dos mesmos para a filosofia, não por isso serão relegados ou alienados mas colocados de acordo com as características do artigo. São de conceitos como Hermenêutica, Niilismo e Pós-Modernidade,  o nosso artigo.



Palavras Chaves: Hermenêutica; Modernidade; Niilismo; Pensamento.







Introdução

 Pós-moderno seria compreender segundo o paradoxo do futuro (pós) anterior (modo). (J F LYOTARD).[2]
           
A pós-modernidade cunhada por Lyotard no final da década de 1970 traz em si, e não responde só por ela, reflexão que abre uma clareira para outros pensadores como Zygmunt Balman com a Modernidade Líquida, a saber, vivemos numa sociedade em que os valores(entre outros) não se solidificam, não adquirem formas duradouras e se adaptam de maneira espantosa no tempo e no espaço, entre tantos que pensam o pós cogito cartesiano.

“Os líquidos diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade...Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem o significado do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou tornam irrelevante), os fluídos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la.” (BAUMAN, 2005, pg 8),[3]

Sem entrar nos psicologismos ou mesmo no campo nas ciências sociais, tratamos aqui de conceitos filosóficos que dizem respeito, ou melhor, se fazem presente no mundo,isso é, estão de maneira visível, de uma forma clara, no pensamento dos que trazem suas reflexões para o campo filosófico.

Assim hermenêutica, como arte da interpretação, não como interpretações apenas estéticas, mas levada pela realidade histórica presente e efetiva, no contexto vivido e no que se pode vir a viver, como devir de uma realidade a se tornar própria do homem, isso é interpretar o mundo do homem no seu tempo.

O niilismo, este à luz da filosofia de Nietzsche, niilismo ativo, positivando o homem, como responsável que é, pela sua condição no mundo e como “fazedor” de sua existência, sem milagres metafísicos, artifícios dicotômicos, mundos fictícios ou supra-sensíveis.

Logo o homem como ele se apresenta no mundo, longe de verdades absolutas, sem ideais ascéticos, mas sim como criador de uma realidade que é como é, e que pode e deve ser mudada em nome de uma existência possível.

Hermenêutica

Da mitologia grega, para ser mais exato do deus Hermes,dentre outras tarefas o mensageiro dos deuses, filho de Zeus e Maia, como encontramos na Teogonia de Hesíodo, vem o termo hermenêutica e conseqüentemente da palavra grega hermeneia, que  traduzimos interpretação.

Muitos dados são encontrados para o surgimento do termo, mas  para reflexão, na modernidade  a hermenêutica surgiu como técnica para interpretação dos textos sagrados, mas a vertente de Gadamer, que pensa uma ontologia hermenêutica, que se impõe ao presente trabalho.

Diferentemente de Friedrich Schleiermacher e Dilthey que fazem mais uma reflexão mais voltada para a interpretação de textos sagrados, no que se diz do primeiro, do segundo a separação de interpretação entre as ciências naturais e as ciências sociais.

H.G.Gadamer em “Verdade e Metodo”, faz praticamente uma genealogia da hermenêutica na modernidade, e aprofundando suas reflexões e nos levando a “interpretar” sua obra master como caminho para reflexões voltadas para o homem, logo para o ser, então podemos pensar em uma ontologia hermenêutica, seguindo assim linhas de reflexão da hermenêutica de Heidegger como afirma Vattimo.

“Geralmente, considera-se que Heidegger fornece as bases da ontologia hermenêutica, na medida em que afirma a conexão – quase a identificação -  de ser e linguagem. No entanto, bem alem dessa tese – em si mesma bastante problemática - , há outros aspectos da filosofia heideggeriana que têm uma importância basilar para a hermenêutica e que podem ser assim resumidas: (a) a análise do Ser-aí (isto é, o homem) como “totalidade hermenêutica”; (b) nas obras tardias, o esforço para definir um pensamento ultrametafísico em termos de An-denken, rememoração, e, mais especificamente, em termos de relação com a tradição.” (VATTIMO, pg. 111, 2007) [4]

Porém Gadamer faz profundas reflexões da hermenêutica nas artes, na linguagem (onde mais se aproxima de seu mestre Heidegger) e  na retórica, mas o que cria o pathos de seu pensamento é a afirmação “o ser que pode ser compreendido é linguagem[5] (GADAMER, pg.657,1999 ), ora isso não pode ser entendido como algo diferente do que uma ontologia hermenêutica, nessa frase esta implícito o conceito de ontologia e hermenêutica. Assim como Gadamer    outros pensadores, com Ricouer, Derrida, Apel, entre tantos, tecerão reflexões sobre e com a  hermenêutica e a filosofia contemporânea  (ou pós-moderna) coloca um conceito fundamental na ordem do pensamento.     

Niilismo

“...O niilista é o homem que não se curva perante nenhuma autoridade e que não admite com artigo de fé nenhum principio por maior respeito que mereça.”[6] (TURGUENIEV, pg.18). Com essa definição, nas palavras do personagem Bazárov, o romancista russo Ivan Turgueniev na obra Pais e Filhos, traz definitivamente  o termo niilismo para evidencia na literatura.

O niilismo se coloca com tal importância que autores como Dostoievisk, Camus, Battaile, entre tantos, construirão suas obras,uns mais, outros completamente, com cunho niilista, mas é na filosofia que essa doença do homem moral terá inquestionável importância, principalmente como Nietzsche pensa e aprofunda o advento do niilismo.

O niilismo,  Nihil, o nada, desde o primórdios da filosofia foi colocado em pauta, Demócrito, o atomista, tinha como teoria que o universo era átomos e espaços vazio, o nada. Parmênides negou o nada, e afirmou que dele não poderiamos falar, mas Górgias que talvez possa ser considerado o primeiro niilista dado que nos deu o primeiro grande raciocínio sobre o nada: “nada existe; se alguma coisa existisse, não poderíamos conhecer, e se a conhecêssemos, não seria comunicável (anhermèneuton)[7]. (VOLPI, 1999, pg. 9), desde então por muitos conflitos, debates, lugares e definições passou o niilismo.

Agostinho de Hipona, dizia que niilista era quem negava Deus. Em cartas entre Fitche e F.H. Jacobi, o niilismo foi objeto de reflexões filosóficas, assim até os nossos dias, o niilismo se apresenta como "pensamento" em ato, não apenas reflexivo, mas atuante, não em potencia, mas realidade.

Heidegger na no século XX, coloca o niilismo como uma necessidade para o filosofo, assim como para a filosofia que deixa a metafísica e se instala definitivamente na vida do homem, do “Ser”, pois lembremos que até Heidegger a metafísica fez foi esquecer o “Ser” em detrimento à transcendências equivocadas e porque não dizer, um esquecimento velado.

“A pedra de toque mais densa e também a menos enganadora para comprovar a genuinidade e a força de um filosofo é sua capacidade de captar logo e a partir das raízes, no ser do ente, a proximidade do nada. Quem não alcançar essa experiência está, definitivamente fora da filosofia” (idem, pg. 86)[8]

Niilismo Nietzschiano
           
Nietzsche faz a pergunta “ de onde vem este que é o mais inquietante de todos os hospedes[9]? (NISTZSCHE, XII 2[127]129), com essa  reflexão desabam sobre o mundo real - o que vivemos, não os mundos transcendentes, supra sensíveis ou mesmo castelos e muletas metafísicas , os juízos de valores absolutos, os questionamentos da validade de valores.

Este hospede vem de a muito tempo criando suas teias - que tem seu inicio no platonismo e se recrudesce e se afirma na moral do cristianismo - moral decadente e forjada pelos valores do escravo, moral essa que condena o erro, despreza o corpo, moral que traz em seu bojo uma verdade que leva ao sentido do falso, o nada como única realidade, eis aí o niilismo.

“Deus é a verdade, à crença fanática de “Tudo é falso”...As tentativas filosóficas para superar o “Deus moral” [Hegel panteísta].Superação dos ideais populares: o sábio. O santo. O poeta.Antagonismos de “verdadeiro” e de “belo” e “bom” ...As conseqüências niilistas da ciência da natureza atual...Da sua atividade, resulta uma auto-dissolução, uma orientação contra si, uma anti-cientificidade. – Desde Copérnico, o homem rola para do centro para um X” (idem) [10]

A radicalização do niilismo  tem seu inicio para Nietzsche com a “Morte de Deus”, que é a perda dos valores absolutos, legados como “verdade”, valores absolutos, são negados e cedem lugar para uma necessária  mudança de valores, ou melhor, criação de novos valores, é a “Transvaloraçao de todos os valores”.

Porém  esse  “NADA” que se nos apresenta como falta de respostas, falta de finalidades é o niilismo. “...falta a finalidade; falta de resposta ao “para que?”; o que significa niilismo? – que os valores supremos se desvalorizam” (NIETZSCHE,XIII 9 [35]27-29).[11] Esse niilismo esta ligado também à maneira com que o vemos ou o enfrentamos (daí a posição) de aceitação ou enfrentamento, é colocada como necessidade real.   

O niilismo é um fenômeno do real, do que é é, presente, é em ato, e refutá-lo ou mesmo ignorá-lo nada mais é que criar mais barreiras com valores falsos, metafísicos ou não, com intuito de torná-lo invisível e assim permitir que os absolutos reinem com mais facilidade e desprendimentos, mas a pergunta “para que? E para onde? Ainda assim permanece por detrás que qualquer mascara mesmo em face de qualquer subterfúgio, o niilismo é a pergunta do homem: De onde vim e para onde vou?

Logo a resposta será a mesma, a saber, “Do Nada”, mas esse “nada” poderá ser colocado como negatividade, simplesmente como um negação do ser, daí teremos uma atitude de resignação, de aceitação pura e simples, isso é uma atitude passiva (niilismo passivo ou reativo). O niilismo ativo é aquele pelo qual a atitude positiva é dele caracterizada, o elemento pelo qual o homem se depara, vê, analisa e o aceita, mas de modo que possa desse elemento partir para novos caminhos, pensamentos, “transvalorar os valores” como Nietzsche o caracterizou.

Para Nietzsche é na modernidade,  com a constatação da “morte de Deus”, evento longe de ser entendido por simples ateísmo, que se aprofunda como critica da divisão do mundo platônico-cristão em mundo transcendente supra-sensível e mundo sensível, mundo do corpo , o questionamento do valor absoluto atribuído ao Deus cristão que traz em sua essência valores dos fracos e atingem de maneira abissal atitudes de mudanças, mudanças essas que não se darão dentro dessa modernidade, mas que nela tem sua fase mais importante, a saber, o questionamento dos valores e que o homem reconhece da maneira límpida sua condição de “ser sem fundamento” , isso é niilista

Conclusão

Refletir a pós-modenidade, é ter uma mesa repleta de guloseimas, das mais diversas procedências, gostos, formatos e diante dessa mesa colocar suas afeições, seus sentidos, suas paixões, todas elas sem transcendências, sem mundos supra sensíveis, sem muletas metafísicas e daí, diante da certeza que o fim não tem fundamento, não tem bem e mal, verdades inquestionáveis, tem sim você a mesa e o mundo, e que as escolhas que fizer serão as escolhas possíveis, que somente você poderia fazer e somente daquela maneira e assim feito está feito, e deve ser amado com tal isso é o “Amor Fati” a mais bela das doutrinas de Nietzsche, senão da filosofia.

“Amor fati [amor ao destino]; seja este, doravante,o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio.Não quero acusar , não quero nem mesmo acusar os acusadores.Que a minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim! (NIETZSCHE, pgs. 187,188, 2009).[12]

A reflexão se finda com a proposição filosófica, ou a pergunta, pois dela vive a filosofia,  a hermenêutica, vista como ontologia hermenêutica e o niilismo ativo, são ou devem ser doutrinas base para a pós-modernidade? Temos mais perguntas que respostas, mas as dúvidas se mostram mais propensas a uma resposta positiva, a saber, a interpretação e o niilismo são em  atos na pós-modernidade e não potencialidades.









Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo; Martins Fontes, 2007
BAUMAM, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro; Zahar, 2005.
GADAMER, H G. Verdade e Método;Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3ª edição. Petrópolis; Editora Vozes,1999.
LYOTARD, J F. Resposta à questão: o que é pós-moderno. http://www.consciencia.org/resposta-a-questao-o-que-e-o-pos-moderno-jean-francois-lyotard (ultimo acesso 20/09/2011)
NIETZSCHE, F H. Fragmentos “ O niilismo Europeu”. Seleção. Apresentação e tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho. http://pt.scribd.com/doc/7207714/Nietzsche-O-Niilismo-Europeu (ultimo acesso 10/09/2011)
__________A Gaia Ciência. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo; Companhia da Letras, 2001.
__________Ecce Homo.Tradução Marcelo Backes.Rio de Janeiro; L&PM, 2003.
__________Assim Falava Zaratustra: Um livro para todos e para ninguém. Tradução Mario Ferreira dos Santos.3.ª Edição.Petrópolis; Editora Vozes,2009
TURGUENIEV, I. Pais e Filhos. Tradução Ivan Emilianovitch. http://www.4shared.com/file/YCvLGzgx/Ivan_Turgueniev_-_Pais_e_Filho.html (ultimo acesso 01/10/2011
VATTIMO, G. O fim da Modenidade: Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo; Martins Fontes,2007.
VOLPI, F. O Niilismo. Tradução Aldo Vannucchi. São Paulo; Edições Loyola, 1999.



[1] Licenciando em Filosofia pela Universidade Metodista EAD
[2] Lyotard Jean-François. Resposta à questão: o que é o pós-modeno

[3] Bauman, Z. Modenidade Líquida, 2005,pg.8
[4] VATTIMO, G. O fim da Modernidade, pg. 111, 2007
[5] GADAMER, H G. Verdade e Método, pg. 657,1999
[6] TURGUENIEV,I. Pais e Filhos, pg.18,
[7] VOLPI, F. O Niilismo, pg. 9
[8] Idem pag. 86.
[9] NIETZSCHE, F H. O niilismo europeu XII 2[127]129
[10] Idem XIII 9 [35]27-29
[11] Ibidem
[12] NIETZSCHE, F H. A Gaia Ciência, pgs. 187,188, 2009.

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