MORTE










Baudelaire 


XLV

O TIRO E O CEMITÉRIO* 

Em frente ao cemitério, Estaminet (39) 

Letreiro esquisito, - diz consigo o nosso passeador, - mas próprio para despertar a
sede! Certamente, o dono desse cabaré sabe apreciar Horácio (40) e os poetas discípulos de
Epicuro (41). Talvez mesmo conheça o refinamento profundo dos antigos egípcios, que não
admitiam banquete sem esqueleto, ou outro símbolo qualquer da brevidade da vida.
Entrou, bebeu uma garrafa de cerveja diante dos túmulos e fumou vagarosamente
um charuto. Depois, teve a extravagância de ir até ao cemitério, onde o mato era alto e
convidativo, e onde reinava um riquíssimo sol.

A luz e o calor eram causticantes. Dir-se-ia que o sol embriagado espojava-se todo
sobre um tapete de flores magníficas fertilizadas pela destruição. Um imenso burburinho de
vida, - a vida dos infinitamente pequenos, - enchia o espaço cortado a intervalos regulares
pela crepitação dos disparos de um tiro vizinho, que ressoavam como o espocar das
garrafas de champagne  no gorjeio de uma sinfonia em surdina.

Então, sob o sol que lhe esquentava o cérebro e na atmosfera dos ardentes perfumes
da Morte, ouviu uma voz cochichar debaixo do túmulo em que se sentara. Essa voz dizia:

- Malditos sejam vossos alvos e vossas carabinas, oh vivos turbulentos, que tão
pouco vos importais com os defuntos e o seu divino repouso! Malditas sejam as vossas
ambições, malditos os vossos planos, oh mortais impacientes, que vindes aprender a arte de
matar junto ao santuário da Morte! Se soubésseis como é fácil ganhar o prêmio, como é
fácil alcançar o fim, e como tudo é nada, exceto a Morte, não vos fatigaríeis tanto, oh
laboriosos viventes, e perturbaríeis menos o sono dos que há tanto tempo puseram no Fim o
único fim verdadeiro da detestável vida!


* Pequenos Poemas em Prosa -  Charles Baudelaire - Athena Editora.Rio, em Agosto de 1937. 



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