QUEM?



Num caminho sem volta, a humanidade traça seu destino rumo ao desaparecimento, a ciência especializou-se na técnico-ciência, o domínio da natureza preconizado por Descartes mostrou-se incapaz de cumprir a complexa tarefa de dar "felicidade" ao homem. A modernidade colocou o "eu" como dominador de tudo, agora nos encontramos  à beira do abismo e constatamos, ao olhar para traz, que a ponte ruiu.
Nesse fragmento de texto abaixo, retirado da obra de Carl Sagan, podemos refletir e responder à ridícula pergunta: Sabe com quem está falando?




CARL SAGAN

Existe uma sombria cadeia de causalidade. Os alemães trabalham na bomba no início da II Guerra Mundial. E os americanos tiveram que construí-la antes. Se os americanos tinham, os russos deviam ter também. Assim como os franceses, britânicos, chineses, indianos, paquistaneses. Muitas nações agora colecionam armas nucleares. São fáceis de fazer. Você pode roubar material fissionável de reatores nucleares. Armas nucleares quase se tornaram uma indústria arsenal caseira. As bombas convencionais da II Guerra Mundial foram chamadas de “arrasa quarteirão”. Abastecidas com 20 toneladas de TNT, poderiam destruir um quarteirão. Todas as bombas lançadas sobre todas as cidades da II Guerra Mundial, juntas somam cerca de 2 milhões de toneladas de TNT. Dois megatons. (…) Toda a morte que chovia do céu entre 1939 e 1945 é cerca de 100.000 “arrasa quarteirões”. Hoje, dois megatons é o equivalente a uma simples bomba termonuclear. Uma única bomba com a força destrutiva da II Guerra Mundial. Mas existem dezenas de milhares de armas nucleares. Os mísseis e bombardeiros da União Soviética e Estados Unidos têm suas cabeças guerreiras apontadas para cerca de 15 mil alvos. Nenhum lugar no planeta está salvo. A energia contida nessas armas, gênios da morte, pacientemente aguardando o esfregar da lâmpada, superam os 10 mil megatons. Mas com a destruição concentrada eficientemente não em seis anos, mas em poucas horas. Um “arrasa quarteirão” para cada família sobre o planeta. Uma II Guerra Mundial a cada segundo em uma tarde ociosa. A bomba que caiu sobre Hiroshima matou cerca de 70 mil pessoas. Em uma completa troca nuclear no ataque de morte global, o equivalente a um milhão de bombas de Hiroshima seriam jogadas em todo o mundo. Em uma troca como esta nem todos seriam mortos pela explosão, fogo e radiação imediata. Haveria outras inúmeras agonias: perdas dos entes queridos, legiões de queimados, cegos e mutilados, ausência de cuidados médicos, doenças, pragas, uma radiação de longa vida envenenando o solo e a água. A ameaça de tumores, natimortos e crianças malformadas. E o desespero de uma civilização destruída por nada. Saber que poderíamos ter prevenido mas não o fizemos. O equilíbrio global de terror liderado pelos Estados Unidos e a União Soviética, fez de reféns todos os seres vivos da Terra. (…) As instituições militares estão presas em algum horrível abraço mútuo. Um necessita do outro. Mas o equilíbro do terror é delicado, com pouca margem para erros, e o mundo empobrece a si mesmo gastando um trilhão de dólares por ano em preparações para a guerra. E empregando, talvez, metade dos cientistas e grandes tecnólogos do planeta em empreendmentos militares. Como poderíamos explicar tudo isso para um desinteressado observador extraterrestre? Que conta nós daríamos da administração do planeta Terra? Nós ouvimos as razões dadas pelas superpotências. Sabemos quem fala pelas nações.
Mas quem fala pela espécie humana?
Quem fala pela Terra? 
De uma perspectiva extraterrestre, nossa civilização global está claramente no limite do fracasso em uma das mais importantes tarefas: preservar a vida e o bem-estar dos cidadãos e o futuro habitável do planeta. … 
Nós somos um só planeta.

Saga Cosmos, episódio 13. SAGAN, Carl. 

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