Entrevista com Edgar Morin - Parte I
Postado por Juremir Machado no Correio do Povo em 7 de agosto de 2011
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O que representa a decadência do futuro quanto à possibilidade de
construção de um presente melhor ?
Edgar
Morin – Vivemos
a decadência de um tipo de idéia de futuro: uma concepção determinista,
otimista e crente no progresso. Acreditava-se acriticamente na técnica, na
ciência e nos efeitos benéficos, necessariamente emancipadores, da Razão.
Nas nações do socialismo real ou no mundo capitalista, com a mesma intensidade,
apostou-se no futuro radioso. A crise não é derivada apenas da queda do
comunismo, mas também de um abalo geral de civilização. A instabilidade
econômica é global. Até 30 anos atrás os intelectuais ainda se deixavam cegar
pela promessa futurista. Descobrimos, porém, que a ciência também pode produzir
ignorância, pois o conhecimento fecha-se na especialização. A indústria fabrica
objetos úteis e também ameaças ao universo como a poluição. Por fim, o fundamento
mesmo do futuro radioso não se sustenta mais: ninguém sabe o que acontecerá
amanhã. Não há modo de fazer previsões seguras.
Quais
as implicações principais da crise do futuro para o cotidiano das sociedades ?
Edgar
Morin – Ninguém
vive sem projeções relativas ao devir ainda que seja em nome de seus próprios
filhos. A angústia do futuro torna-se um sofrimento do presente. Precisamos
operar com uma dialética temporal: pensar o futuro sem abandonar o presente. O
futuro está doente. Mergulhamos em um nevoeiro histórico. Isso repercute sobre
o presente. Somos seres de raízes e de mudança, de comunidades e de
universalização. Quando o futuro está doente, acaba ocorrendo um retorno ao
passado. Acontece que o futuro pode ser também erro e superstição. O medo instaura
a retomada virulenta, por exemplo, do integrismo religioso. Nossa tarefa é
construir um novo futuro, diferente daquele que faliu: um futuro da consciência
e da vontade. O amanhã não será oferecido pela história.
O
senhor combate os dogmas e privilegia a incerteza no processo histórico. Qual o
papel do Sujeito na elaboração do presente e do futuro ?
Edgar
Morin – Abandonei
a certeza do futuro garantido. Para afirmar que o Sujeito morreu, como fizeram
os estruturalistas, é preciso ser um Sujeito. A idéia da morte do Homem foi uma
ilusão intelectual. Somos seres dotados de uma autonomia relativa, dependentes
de condições ambientais e históricas. O problema é como tomar consciência da
ilusão. A política, hoje, se complexificou. Muitos elementos que não eram
considerados pertencentes ao campo político, entre os quais a ecologia e a
manipulação genética, passaram a ter um cunho fortemente político em função de
novas lutas, perigos ou avanços científicos. A civilização é a principal
questão política, na medida em que existem várias formas de barbárie
espreitando. O sujeito será o construtor do mundo melhor. Sem ele, com certeza,
não haverá mais justiça ou liberdade.
Quais
são as formas de barbárie que o senhor identifica neste momento em relação ao
Ocidente ?
Edgar
Morin – Os
partidos políticos estão fossilizados. Falta consciência ainda da relevância
dessa fossilização. A primeira forma de barbárie que nos ameaça é a da
dominação, da conquista, do fanatismo e da intolerância. A segunda, terrível,
esconde-se atrás da ciência e da técnica, gerando uma organização congeladora
da vida, um universo burocrático desumano e irracional. A terceira modalidade
foi percebida por Marx: tudo se transforma em mercadoria. Mas na época de Marx
o fenômeno era limitado. Na atualidade, o sol, o sangue e os órgãos humanos,
tudo, enfim, é mercadoria. Os valores perdem importância.
O
senhor disse, em outra oportunidade, que o capitalismo atual é o fruto do
fracasso do socialismo. Por quê ?
Edgar
Morin – Refiro-me
ao capitalismo dos países do leste europeu. O fracasso do socialismo real
engendrou a fé cega no capitalismo. Digo, então, que lá o capitalismo é o
estágio supremo do socialismo. O mercado para funcionar exige um Estado forte,
com regras, leis, direito instituído e competição leal. Na Rússia, agora,
reinam a máfia, os monopólios e a violência. O socialismo real destruiu,
em alguns lugares, a social-democracia. Em outros, os social-democratas
tornaram a vida mais aceitável. Na França, em todo caso, o excesso de burocracia
entravou os avanços. A social-democracia ainda pode ter um futuro, desde que
rompa com os compromissos messiânicos. O elogio do capitalismo, a partir da
queda do socialismo real, é um erro enorme.
Qual
o espaço de manobra da esquerda após os verdadeiros terremotos da década de 80
?
Edgar
Morin _ A
esquerda é uma constelação. Assim como Marx é um pensador em meio a uma
constelação de intelectuais. Não podemos reduzir a pluralidade à unidade.
Enquanto espaço de aspiração à liberdade, à emancipação e à justiça, a esquerda
conservará sempre a sua legitimidade. Os ideais emancipatórios não perderam o
valor. A esquerda esfacelou-se enquanto estrutura voltada para a tomada do
poder e a implantação de projetos totalizantes.
Os
meios de comunicação de massa sempre interessaram ao senhor: é lícito
responsabilizá-los pelos problemas do mundo atual? Fenômenos como Madonna e
Michael Jackson são preocupantes?
Edgar
Morin – Os
meios de comunicação de massa fazem parte da sociedade. É esta que fundamenta e
legitima posições. Não cabe exagerar o papel da televisão. Madonna não
representa um perigo público. Educadores, pais e intelectuais recorrem ao
argumento cômodo segundo o qual a televisão aliena. Mas a situação é mais
complexa. Não há, por exemplo, como estabelecer uma relação clara de causa e
efeito entre a violência e a programação de televisão, a não ser em casos muito
específicos e certamente não previstos pela emissão. Preocupo-me com a
cretinização promovida pela televisão, mas também com essa que é disseminada
pelos intelectuais.

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