DESAFIO
Como será? Tenho como proposta colocar semanalmente um capítulo, ou mais, dependendo da parte do livro que estivermos, pois sabemos que a linearidade não faz parte da obra de Nietzsche, e esse fragmento discutido, passamos para o próximo e assim sucessivamente.
Não temos pretensões ou finalidades com esse desafio, mas apenas conjugar interpretações sobre a obra.
Finalidade, sentido,objetivo ou qualquer outra tentativa, será de acordo com os VALORES (OU NÃO) de cada um.
Obrigado. e vamos a luta......
Assim Falava Zaratustra
NietzschePrimeira parte
Preâmbulo de Zaratustra
I
Aos trinta anos apartou-se Zaratustra da sua pátria e do lago da sua pátria, e foi-se até a montanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua soledade sem se cansar. Variaram, porém, os seus sentimentos, e uma manhã, erguendo-se com a aurora, pôs-se em frente do sol e falou-lhe deste modo:
“Grande astro! Que seria da tua felicidade se te faltassem aqueles a quem iluminas? Faz dez anos que te abeiras da minha caverna, e, sem mim, sem a minha águia e a minha serpente, haver-te-ias cansado da tua luz e deste caminho.
Nós, porém, esperávamos-te todas as manhãs, tomávamos-te o supérfluo e bemdizíamos-te.
Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.
Quisera dar e repartir até que os sábios tornassem a gozar da sua loucura e os pobres da sua riqueza.
Por isso devo descer às profundidades, como tu pela noite, astro exuberante de riqueza quando transpões o mar para levar a tua luz ao mundo inferior.
Eu devo descer, como tu, segundo dizem os homens a quem me quero dirigir.
Abençoa-me, pois, olho afável, que podes ver sem inveja até uma felicidade demasiado grande!
Abençoa a taça que quer transbordar, para que dela manem as douradas águas, levando a todos os lábios o
reflexo da tua alegria!
Olha! Esta taça quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem”.
Assim Falava Zaratustra Friedrich Nietzsche
Assim principiou o caso de Zaratustra.
II
Zaratustra desceu sozinho das montanhas sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques deparou-se-lhe de repente um velho de cabelos brancos que saíra da sua santa cabana para procurar raízes na selva. E o velho falou a Zaratustra desta maneira:
“Este viandante não me é desconhecido: passou por aqui há anos. Chamava-se Zaratustra, mas mudou.
Nesse tempo levava as suas cinzas para a montanha. Quererá levar hoje o seu fogo para os vales? Não terá
medo do castigo que se reserva aos incendiários?
Sim; reconheço Zaratustra. O seu olhar, porém, e a sua boca não revelam nenhum enfado. Parece que se dirige para aqui como um bailarino!
Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vais fazer agora entre os que
dormem?
Como no mar vivias, no isolamento, e o mar te levava. Desgraçado! Queres saltar em terra? Desgraçado! Queres tornar a arrastar tu mesmo o teu corpo?”
Zaratustra respondeu: “Amo os homens”.
“Pois por que – disse o santo – vim eu para a solidão? Não foi por amar demasiadamente os homens?
Agora, amo a Deus; não amo os homens.
O homem é, para mim, coisa sobremaneira incompleta. O amor pelo homem matar-me-ia”.
Zaratustra respondeu: “Falei de amor! Trago uma dádiva aos homens”.
“Nada lhes dês – disse o santo. – Pelo contrário, tira-lhes qualquer coisa e eles logo te ajudarão a levá-la. Nada lhes convirá melhor, de que quanto a ti te convenha.
E se queres dar não lhes dês mais do que uma esmola, e ainda assim espera que tá peçam”.
“Não – respondeu Zaratustra; – eu não dou esmolas. Não sou bastante pobre para isso”.
O santo pôs-se a rir de Zaratustra e falou assim: “Então vê lá como te arranjas para te aceitarem os tesouros.
Eles desconfiam dos solitários e não acreditam que tenhamos força para dar.
As nossas passadas soam solitariamente demais nas ruas. E, ao ouvi-las perguntam assim como de noite,
quando, deitados nas suas camas, ouvem passar um homem muito antes do alvorecer: Aonde irá o ladrão?
Não vás para os homens! Fica no bosque!
Prefere à deles a companhia dos animais! Por que não queres ser como eu, urso entre os ursos, ave entre as
aves?”.
“E que faz o santo no bosque?” – perguntou Zaratustra.
O santo respondeu: “Faço cânticos e canto-os, e quando faço cânticos rio, choro e murmuro.
Assim louvo a Deus.
Com cânticos, lágrimas, risos e murmúrios louvo ao Deus que é meu Deus. Mas, deixa ver: que presente nos
trazes?”.
Ao ouvir estas palavras, Zaratustra cumprimentou o santo e disse-lhe: “Que teria eu para vos dar? O que tens a fazer é deixar-me caminhar, correndo, para vos não tirar coisa nenhuma”.
E assim se separaram um do outro, o velho e o homem, rindo como riem duas criaturas.
Quando, porém, Zaratustra se viu só, falou assim, ao seu coração: “Será possível que este santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu?”
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNo preâmbulo encontramos alguns elementos importantes para interpretação da obra.
ResponderExcluirA águia e a serpente, fiéis companheiras de Zaratustra, o velho sábio da floresta (encontraremos outros nomes em outras traduções) e o não menos importante, Zaratustra ja de inicio fala da morte de Deus. (que foi anunciado pela primeira vez no aforismo 125 da A GAIA CIÊNCIA)