ÉTICA – Uma palavra na boca
ÉTICA – Uma palavra na boca
Ari Monteiro
Durante
toda experiência acadêmica de filosofia, a ética é com certeza a parte mais enfatizada,
visto que desde os gregos ela é um dos três ramos do saber racional. Aristóteles colocou a Ética, a Estética e a
Metafísica como fundamentos da
filosofia, pois delas todo esquema de viver e saber poderiam ser derivadas e daí
criar métodos do Bem Viver (ou viver bem). Platão criou o Bom, o Belo e o
verdadeiro, onde esse “bom” corresponde à ética, dando asas para as virtudes e o mundo”moral”.
Logo,
podemos afirmar que desde o século IV a.c., muito se criou (e destruiu), pensou e desenvolveu
em nome do “ser ético”. Muitos pensadores, - com certeza perderemos a conta se
fossemos contar - deram seu tempo e vida para a ética, mas dentre eles são imprescindíveis:
Platão e Aristóteles, na filosofia clássica, Espinosa e Kant, respectivamente,
na filosofia moderna e em nossos dias
(chamamos de contemporâneos?) Nietzsche no final do século IX e no século XXI
(cometendo aqui uma injustiça imperdoável com o século XX) temos Edgar Morin e
Zygmunt Bauman.
Edgar
Morin pensa (entre outras) uma ética planetária, a partir da complexidade das
relações do mundo globalizado e de um humanismo produtor de uma ética. Embora
ainda, os Estados-nação persistam e cuja
ações levaram, e levam, conseqüências calamitosas para a humanidade, Morin vê uma
possibilidade ética para a humanidade.
O humanismo planetário é, ao mesmo
tempo, produtor e produto da ética planetária. A ética planetária e a ética da
humanidade são sinônimos...Onde estamos na era planetária? Minha tese é que a
globalização no fim do século XX criou as infra-estruturas comunicacionais,
técnicas e economicas para uma sociedade mundo...Há sobretudo a imaturidade dos
Estados-nação...Significa que, em consequencia, que, se conseguisse impor-se
seria uma sociedade mundo bárbara. Não aboliria a exploração, a exclusão e as
desigualdades. Contudo, venceria a soberania absoluta dos estados nacionais e permitira o controle do quadrimotor ciência/tecnica/economia/lucro
cujo marcha descontrolada nos conduz ao abismo... Estamos diante de uma
contradição: a sociedade-mundo é uma condição prévia para sair da crise da
humanidade, mas a reforma da humanidade é uma condição prévia para chegar a uma
sociedade-mundo para alem da idade de ferro planetária.(EDGAR MORIN, pgs 166-
167) [1]
Zygmun Bauman, pensador polones
radicado na Inglaterra, nos faz pensar através de um tempo presente que ele
chama de “Modenidade Liquida”, tempos em que tudo ocorre numa rapidez
estonteante, e nessa velocidade nada se acenta, nada toma forma durável ou
constante. É essa modernidade, sem forma, que permitiu o surgimento e estabeceu-se
a Globalização .
As
mudanças dos espaços de decisões e de quem controla esses espaços, e o tempo
para que esse controle se efetive é de tal forma que pensar em sua síntese é
caminhar pelo paradoxo de união e separação em um mesmo momento. “ A globalização tanto divide como une;
divide enquanto une – e as causas da divisão são idênticas às que promovem a
uniformidade do globo.” (BAUMAN, 1999, pg. 8). [2]
O
espaço de tomada de decisões praticada pelos dominantes, é cada vez menos o
espaço político – a democracia de estado – e se efetiva no espaço econômico
dominado pelas grandes corporações – que não tem nenhum compromisso com
democracias ou estados constituídos – cuja única meta é o lucro e aumentar seus
tentáculos de poder por todo planeta. A diretoria de uma corporação pode mudar
investimentos, mudar fábricas, para onde lhes for mais lucrativo sem levar em
conta as conseqüências sociais dessa mudança, os operários, a cidades, o poder
local, nada tem importância, isso é, os localizados que resolvam suas mazelas.
A distância não deixa criar vínculos, isentando assim de constrangimentos de
uma tomada de decisão que magoe ou cause transtorno ao meu vizinho.
O tempo foi reduzindo
assustadoramente, os mecanismos de relacionamento criou uma convivência falsa,
fútil e fugaz, - “tenho 300 amigos nas redes sociais” – um exemplo dessa
convivência, que se funda numa mentira usada para controle, o tempo que
utilizamos para “falar” com esses amigos é o tempo que gastamos para digitar
certo número de palavras, que muitas vezes serão lidas em alguns segundos,
quase nunca em horas, dias ou meses. Assim o tempo para a transmissão de uma
informação que pode mexer com milhares de pessoas, dada por uma corporação, se
resume no tempo de se criar um email.
A
perversidade é de tal maneira que a cultura, a convivência social, os costumes
são ditados por uma elite que está longe de qualquer vinculo afetivo, é o
desprezo total do corpo que vive o mundo localizado.
Uma
outra questão ética vem do mundo do consumo que Bauman discute em uma outra
obra, a saber: A ética é possível num mundo de consumidores?, aqui o pensador nos
coloca também que vivemos numa “Era de Genocidio” que teve seu inicio no
holocausto, com o total desprezo pela vida humana, e continuou pelo século XX
com os massacres étnicos da Bósnia, de Ruanda e na Chêchenia, entre tantos.
Visto que a justificação perante a opinião pública nasceu do conceito de “Etnia”,
sendo criado pelos europeus para invadir a África e a Índia e continuar sua
expansões territoriais, e serviu também para justificações muitos anos depois (
será que ainda não justifica?). Mas Bauman nos alerta.
Permitam-me
repetir: todas essas matanças e outras semelhantes podem ser destacadas em
relação a inúmeras explosões passadas de crueldade humana, não apenas (ou pelo
menos não necessariamente ) pelo números de vitimas, mas por serem assassinatos categóricos. Nesses casos
homens, mulheres e crianças foram exterminados por terem se associado a uma
categoria de seres fadadas ao extermínio... O assassinato categórico, do começo ao fim, uma questão unilateral.(BAUMAN, 2011, pgs 92-93)[3]
Ao
consumir um produto qualquer, o que está por traz dele? Trabalho escravo?
Assassinatos categóricos? Justificações étnicas? Mas podemos ouvir que se for
pensar assim, não compramos quase nada e consumimos menos ainda (já não ouvimos isso?),
pois bem...
A
globalização, assim como nossa modernidade, está imbuída de justificações morais (serão éticas?), porém
cada atitude ou procedimento é passível
de uma profunda reflexão como fizeram, ou fazem, Morin e Bauman, cabe sempre a
obrigatoriedade de uma busca da ética no seu sentido lato. Da busca do Êthos
como morada do homem, como seu viver com os seus e com tudo a seu redor, a busca fora dessas linhas correm sérios
riscos de serem manipuladas por “alguém ou algo” mais poderoso.
Logo
ao nos deixar escapar pela nossa boca a palavra “ÉTICA”, muito temos que pensar
para não permitir que seja mais banalizada, se isso é possível, mas duvidar do
ser humano sempre é a melhor coisa a fazer, banalização essa criada justamente
para facilitar processos de dominação e subjetivação.
A
ética poderá, muitas vezes, ser chamada de “moral”, porém nunca se limitará ao
campo do simples costume ou ao categórico "faça".
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