Sobre a Origem e a Natureza dos Afetos







B. de Spinoza

Ética demonstrada em ordem geométrica

(Tradução Roberto Brandão)

Sobre a Origem e a Natureza dos Afetos

PREFÁCIO

A maior parte dos que escreveram sobre os afetos e sobre a forma de viver dos homens, não parecem tratar de coisas naturais que se seguem das leis comuns da natureza, mas de coisas que estão fora da natureza. Eles parecem conceber o homem na natureza como um império dentro de um império. Pois eles crêem que o homem parece mais perturbar do que seguir a ordem da natureza, ter uma potência absoluta sobre suas ações e só ser determinado por si mesmo. Eles atribuem a causa da impotência e da inconstância do homem não à potência comum da natureza, mas a não sei qual vício da natureza humana e por isso choram por ela, se riem dela,desdenham-na, ou, mais frequentemente, execram-na. E aquele que mostra mais eloqüência ou engenhosidade em censurar a impotência da Mente humana é tido como divino.Não faltaram também homens eminentes (e confessamos dever muito a seu trabalho e diligência) que muito escreveram sobre a forma reta de viver e deram aos mortais conselhos plenos de prudência. Mas ninguém, que eu saiba, determinou a verdadeira natureza e força dos afetos nem o que a Mente pode fazer para moderá-los.Sei que o célebre Descartes, embora também acreditasse que a Mente tem sobre suas ações uma potência absoluta, procurou explicar os afetos humanos por suas causas primeiras, mostrando também como a Mente pode ter um império absoluto sobre os afetos. Mas, em minha opinião ele só mostrou a acuidade de sua mente,como demonstrarei no lugar próprio.Por ora gostaria de voltar aos que execram ou se riem dos afetos e ações do homem ao invés de entendê-los. Sem dúvida eles acharão surpreendente que eu busque tratar os vícios e inépcias do homem à maneira Geométrica, buscando demonstrar de forma certa e racional coisas que são contrárias à razão e que eles não cansam declamar serem repugnantes, vãs, absurdas e horríveis.Mas eis meu raciocínio. Nada há que possa ser atribuído a um vício da natureza, pois a natureza é sempre a mesma e sua virtude e potência de agir são sempre e em qualquer lugar as mesmas, isto é, as leis e regras da natureza, segundo as quais tudo acontece e passa de uma forma a outra, são as mesmas sempre e em qualquer lugar. Assim, deve haver uma só e mesma maneira de entender a natureza das coisas, quaisquer que elas sejam,isto é, através leis e regras universais da natureza.Portanto, os afetos de ódio, ira, inveja, etc., considerados em si, se seguem da mesma necessidade e força (virtude) da natureza que as outras coisas singulares. E, portanto, eles admitem causas certas pelas quais são entendidas, e têm propriedades certas, que são tão dignas de nosso conhecimento quanto as propriedades de quaisquer outras coisas e cuja simples contemplação nos deleita. Assim, tratarei da natureza e da força dos afetos e da potência da Mente sobre eles, com o mesmo método que utilizei no que precede sobre Deus e sobre a Mente, considerando as ações e os apetites humanos como se fosse questão de linhas, planos e corpos.

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Comentários

  1. Ler Spinoza não é tarefa fácil, exige método, disciplina e ainda mais, persistência. Tudo o que não temos e nem seguimos nos dias de hoje. Porém arriscaremos com (apenas) o prefácio de sua obra maior, quem sabe não despertamos algum afeto escondido.
    Para os mais susceptíveis ao afetos, o link no fim do texto pode levar a uma experiência renovadora.

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