POVO TRAÍDO









Fim de uma utopia
(ou a última lágrima)
Ari Monteiro

Estudar a historia da humanidade e interpretá-la, de forma anacrônica ou diacronicamente, é sem dúvida nenhuma diferente de fazer parte do momento histórico, pois neste estamos tomados completamente pelas pulsões do corpo e em nenhum momento se pode distinguir as razões, tão cultuadas pela modernidade, das emoções, esta divinizada pelos românticos, pois quando se vive o momento histórico as divisões do corpo e mente não se fazem presente, faz sim de um todo do corpo do homem sua função de agente histórico, ou autor e não ator da história (termos caros aos marxistas e militantes do materialismo histórico).
Mas o porquê de uma reflexão neste sentido? O que me leva a colocar em tão exíguas linhas este questionamento de dicotomia ou não do “ser” homem? Explico:

Há exatos 30 anos (dia 25/04/1984) o povo brasileiro foi traído (sim é esse termo mesmo) pela classe (se podemos chamar assim) política desde imenso país. Os senhores ditos “representantes do povo”, jogaram no lixo a esperança de milhões de brasileiros, estes sim dignos de respeito, pois foram às ruas para derrubar uma ditadura que agonizava, mas existia, uma ditadura que amordaçou, violentou e matou em seu nome para se colocar, e pior que isso, exercer o poder de forma inescrupulosa (para usar um termo ameno), uma ditadura que ainda hoje, três décadas depois de seu momento agonizante, ouvimos pessoas proferirem “que tem saudades da ditadura”. Fico estarrecido em ouvir tal coisa, pois não consigo encontrar justificativas para este comportamento que não leve ao desrespeito completo pela dignidade humana, seja ela portadora de qualquer dogma, crença ou valores morais, pois pode ser a liberdade uma utopia do homem, mas nenhum outro homem, instituição, poder ou crença, tem o direito de castrar esse sonho de liberdade de qualquer outro homem, e ter “saudades daquele tempo” fere profundamente quem viveu “aquele tempo”, e mais importante fere, ainda mais fundo, aos que hoje estão, por poucos que sejam, em contato com o mundo real, este mundo em que o consumo se tornou mais uma metamorfose do capitalismo, e esses poucos conseguem fazer criticas de maneira coerente e em bases sociais justas (se um dia existir uma).

Nenhuma mudança estrutural importante se realiza de maneira pacífica, inquestionável o valor do pensamento de K. Marx quando nos referimos a grandes estruturas de poder, e quando se deseja exercer o poder nas microestruturas, criar corpos obedientes e alienados, lançamos mão do arsenal Foucaultiano, que em na sua obra monumental Vigiar e Punir nos ensinou como os “corpos dóceis e úteis” foram talhados no decorrer do tempo e na história, e não podemos esquecer da Microfísica do Poder, onde uma arquitetura de poderes é estudada e colocada em reflexão.

Pode o leitor perguntar, mas por que lançar mão do discurso filosófico para refletir sobre um momento histórico tão recente? Justifica-se o discurso para ajudar no caminho da conclusão.
O movimento DIRETAS-JÁ foi sem dúvida alguma o maior movimento popular da historia desse País, podem colocar no mesmo balaio, Marcha pela Tradição, Família e Propriedade, ocorrida às vésperas do famigerado Golpe Militar de 1964, denominado ironicamente de Revolução, coisa que só acontece nesta terra Brasilis, visto que o conceito de revolução exige certa coerência de fatos (procurem em um bom dicionário), juntem também nesse balaio, o movimento “Caras Pintadas”, que podemos inferir como um movimento manipulado pela grande mídia (leia-se Rede Globo) e mais recentemente o Movimento Passe-Livre, este embora legitimo e puro, não encontrou ainda sua identidade, ou talvez, tenha sido uma real representação da Modernidade Líquida que nos ensinou Zygmunt Bauman.

DIRETAS-JÁ brotou da espontaneidade de um povo cansado de calar o boca, frente aos desmandos de um poder constituído por militares, e sustentada pela oligarquia capitalista, que ganhava corpo no idos da década de 1960, se ganhava corpo (façamos uma analogia com Foucault) deveria obrigatoriamente ganhar o poder, essa oligarquia radicalmente contra qualquer discurso de esquerda (odeio esse conceito e como ele é empregado).
E hoje já temos condições de responder às perguntas: era João Goulart um homem com raízes populares ou tinha discurso marxista? Os homens que detinham o poder, anterior ao golpe de 1964, professavam ou executavam políticas estatizantes (condição básica para formação de um Estado comunista)? Procurem na história quem essas perguntas básicas serão respondidas facilmente.

DIRETAS-JÁ pisou nos asfaltos desse país sem ser manipulado por mídias, políticos, oligarquias ou partidos. Diretas-já não reivindicou poder para si ou para outrem, mas exigiu o direito de “todos”, sem exceção, sem exclusão (palavra tão em moda, mas tão mal entendida e tão banalizada) a escolher seus governantes de maneira direta, pelo voto livre, pela cara limpa, sem tutela de quaisquer procedências ou interesse. DIRETAS-JÁ caminhou a passos justos (em espaço e moral) pelas ruas, pelas praças, pelas casas e em nenhum momento se perdeu em discursos, mas se fixou em atos, em gente, em povo (no verdadeiro sentido do conceito) em vontade de liberdade de escolha, liberdade de errar ou acertar, mas livre para pode escolher seu próprio destino e caminho.

DIRETAS-JÁ foi traída, o povo foi traído, na noite de 25 de Março de 1984, mais uma vez uma oligarquia vencia o povo, agora a oligarquia política. DIRETAS-JÁ foi derrota em votação no Congresso Nacional, os políticos votaram contra um povo cansado de ser manipulado e de ter os caminhos traçados por outros. O povo da esperança no rosto, o povo que queria dirigir seu destino foi tirado da cena mais uma vez, e no lugar dele foram colocados conchavos, discursos e atitudes ilegítimas.

E nesta noite, deste rosto, caiu a última lagrima e morreram todas as utopias na política.


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