VIDA E MORTE!


Ari Monteiro

Uso este espaço, hoje, para um desabafo, para extirpar, desse espirito finito e errante, uma coisa que resolveu pousar, e comodamente, foi ficando, ficando, até ser percebida como incômoda e produtora de dor, e assim como todo encontro dolorido, trouxe uma pequena contribuição para o meu parco saber da vida.
Não importa se temos crença em um Deus, uma Cabra ou uma Casca de banana, pois nenhuma crença tem o direito de intervir em nossos encontros com o mundo, com o fenomênico, e sugerir, obrigar ou sequer fazer sugestões de que sua vida deve ser finalizada por um motivo, uma finalidade, seja lá o que for, uma desilusão de amor, uma separação, ou qualquer acontecimento que o mundo ofereceu.
O direito e de vida e morte não está vinculado à transcendências , juízos, moral ou estados, ele diz de seu amor pela vida, ou melhor dizendo, pela SUA vida, pois apenas a essa singularidade é que podemos responder nossas angustias,dores, prazeres e utopias. 
À vida tem direito todos que a possuem, é inalienável, mas e da morte? Quem impõe  o direto sobre ela? A pessoas que nos cercam? Alguma instancia de poder constituído? 
Seja qual for a resposta que encontremos em nosso espirito, pois ela obrigatoriamente sairá dos valores obtidos da nossa experiencia de vida, ou se quiserem como se fala filosoficamente, nossos encontros com o mundo, ela nunca deve ser uma imposição de alguém, ou algo, que nos calou, censurou, amordaçou e mais grave: nos torturou, vindo essa tortura da fonte que vier. 
Se for permitido pautar o poder de morte nas fontes de desvalorização da vida, resta-nos apenas sentar e rezar para nosso Deus, nossa Cabra ou nossa Casca de banana.





Uma oração
Jorge Luis Borges

Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

Jorge Luis Borges
 nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina e faleceu em Genebra, no ano de 1986. 

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